Friday, September 19, 2008

Quietude


Na quietude da noite permito o divagar ao pensamento, amavelmente concedo liberdade à ideia, à suposição, ao sonho, ao receio, à reflexão...
Com essas linhas de cor mutante bordam-se intrincadas tramas da possibilidade, tecem-se artes como que relatos invisuais de um aconchego, de conforto. Em pano cru, por pérola manchado, eis que surgem pontos do refrear da incerteza, do desalento e do desânimo...
Nessa quietude, instantânea paz concedida às horas o meu corpo abranda, a minha mente expande-se. Consigo respirar o alívio do tempo, desfazer-me do peso descrente da dúvida, desprendo-me do desacreditar, venço as grilhetas desse negativismo imperfeito.
Encharcado pelo breu do sossego consigo acreditar nesse tantas vezes egoísta triunfo, nesse véu de bruma ondulante, imortalizado por destino, Graal de cada essência, de cada um... Tão solitário, tão individualista, tão insuportável contentamento...
No sono do tempo, irremediavelmente entorpecido pelo desgaste do ter e querer viver, percebo que perdas e reencontros são cruciais apontamentos da existência, fomento da vontade do alcançar.
Neste silêncio em mim sei que o amanhã chegará, por sol ornamentado ou de chuva decorado certamente será meu, e esperará o meu acordar, o meu adeus ao sonho, a minha despedida à noite...
Na quietude da noite, no limiar da consciência do adormecer, ofereço um agradecimento sem palavras, sem destinatário, sem rumo...

Wednesday, September 17, 2008

Serei Ser?


Conturbado vazio, seco impacto desse soco diferido por mãos de ninguém esmaga ser, pensar, sentir, acreditar...
Incomprensão do agir ou simplesmente não compreender a atitude?
Reflexo da palavra ou espelho da intensão?
Esmagado mensageiro esse a quem são ouvidos discursos da confusão, esse que agoniza pelo veneno da palavra, esse que dá asas a ideais ou ideais, convicções ou crenças, verdades imaginadas ou mentiras esquecidas...
Conseguirei sobreviver neste ataque desprovido de armas mas secretamente armadilhado pela surpresa? Serei herói do inesperado ou subtilmente entregue ao tombo da perda?
Traiçoeiro caminho, esse a que me entreguei confiante, demanda de um reencontrar, história de um compreender, essência de um corpo que me transporta, albergue de uma figura que parece não se encontrar, não se reconhecer...
Serei estampa do acto, continuamente lembrado do que tento esquecer, incesantemente recordado pelo aconteceu?
Por amargas ruelas do ponderar caminho, em becos perdidos carrego pela transparência um esgar forçado, um coexistir determinado pela obrigatoriedade do dever. Não sou bom actor, não consigo usar essa máscara, esse enganoso estar...
Pretendo encontrar o equilíbrio, anseio pelo desfecho possível de um entendimento compreendido pelo abraço da razão...
Assim continuo confuso, perdido, dolorido,esquecido...
Serei ser na minha história?
História sem nome, fragmento do acontecer, instante em que me perco e me reencontro para, impensavelmente, me voltar a perder...
Serei ser?

Friday, September 12, 2008

Silhueta de Si


Por negro vestida, abandona o seu refúgio... Segue perdida, sozinha, esquecida, caminha...
Sombria silhueta de si segue por trilhos esbatidos, percorre irremediavelmente resignada traços de um tempo não apagado, revisita túmulos jamais esquecidos que parecem implorar um olhar, uma atenção... Sopros de um acontecer que não se dissipa, névoas de rebeldia controversa, coro de um choro que não cessa, que não canta, lamenta...
Amarga sombra de tempo, desliza lentamente como que guiada por um sentimento sem nome, como encantada por um chamamento inaudível da hora, do lugar, do momento...
Nesse eterno repouso de alma procura a pedra fria que a atrai, que a arrancou do seu abrigo, do seu domínio, do seu instável acreditar.
Vagueia abstraída, procura sem saber o que encontrar...
Eis que encontra o que procurava sem perceber, o que a encantava sem querer entender...
Na cruz de uma lágrima sente-se desfalecer, a essa laje oferece o seu sangue, vermelho intenso do passado, derrota de uma impossibilidade do esquecer...
Nesse túmulo jamais desaparecido descansa o seu suplício, o seu tormento, o seu pesar...
Nessas palavras se funde, senhora da sombra, senhora sem nome a quem chamaram Memória...
Nesse jardim do para sempre reencontra a sua metade, sono eterno de si, sem vida, sem conteúdo mas eternamente presente...
Senhora esquecida, de negro vestida entrega-se à companhia dessa outra adormecida a quem um dia chamaram... Lembrança.