Sunday, December 20, 2009

Confesso...


Confesso...
Pressinto o chegar, sossegadamente, de abraços de revolta, aconchego-me em confrontos do destino, escondo-me de demónios que me presseguem, que reclamam justas vinganças por crimes de ódio... Sou procurado por assassinos sem nome, sem rosto, sem presença. Sou espírito em fuga, humano errante perdido a um fado por mim apunhalado, destinado a lugar nenhum, condenado a vaguear incessantemente...

Confesso...
Sou fugitivo de mim... sou acusado da mágoa, acusador da angústia, réu de um prenúncio anunciado, doce vazio, imparável inércia, suave inutilidade, dolorosa solidão de pensamento... Choro...

Confesso...
Crueldade fraseada por uma ausência de substância, presença física, ausência de intenção...
Perdi a essência, recusei a pureza da sinceridade, embrenhei-me por caminhos que não levam a lugar algum... perdi-me, esqueci-me, apaguei propositadamente a chama que iluminava o meu caminho...
Confesso...
Sou merecedor desta recompensa, serei ser das sombras, não mais essência, apenas sombra de mim, desconhecido espectro de lado nenhum...

Confesso...
Magoa

Confesso...
Destrói

Confesso...
Mereço

Confesso...
Para sempre vaguearei nesse labirinto talhado em arrependimento, enriquecido pela fraqueza da estupidez...

Confesso...
Não mais serei vulto, máscara, violino, fragmento, escadaria, tormento, momento... nunca mais serei ser... apenas reflexo do que um dia fui...



Sunday, December 13, 2009

Violinos...


Choram violinos envelhecidos pela amargura do tempo... rasgam-se notas arrancadas a essas cordas confessoras de pensamentos... tristes esculturas em madeira sem história, peças por mãos talhadas sem sonho... choram violinos que esqueceram outra forma de se fazerem escutar... choram baixinho... ecoam pelo vazio da noite qual canto soprado a um frio sem alma...
Gritam violinos esquecidos de atitude, imploram por olhos que os ouçam, por mãos que os aconcheguem, os aqueçam... os façam acordar desse sono interminável de silêncio...
Cantam esses violinos tentando hipnotizar o imortal tempo, o implacável senhor das horas, dono da vontade, causador do vazio, do arrependimento, da tristeza, da saudade, da solidão...
Escuto... esse choro angelical de violinos de cordas partidas, intencionalmente afastadas da sua metade, separadas do todo que outrora se fizera soar intemporalmente...
Choram violinos quebrados por intenção, abandonados a um canto da memória, amontoados como imprestáveis, largados como inúteis, desprezados como incapazes...
Procuram, corajosos violinos, forma de se fazerem acreditar, mesmo mutilados sopram notas da sua essência, choram e continuarão esse choro eternamente, baixinho, susurrando lamentos, vozes enrouquecidas mas ainda iluminadas pelo brilho de uma esperança distante...
Choram violinos... aprisionados num canto esquecido de mim...

Thursday, August 27, 2009

Pedaços...


Num pedaço de papel queimado, esquecido num canto da existência, tento desenhar frases de um vazio incompreendido, forma de estar pensadamente esquecida, ilusão perfeita da descrença, da plenitude da perda, do vazio da ausência, da esmagadora consciência da mudança...
Num pedaço de seda rasgada, derrota de um preciosismo outrora delcarado, envolvo contradições pesadamente esmagadas, realidades arranhadas por intenção. Nesse manto sigiloso guardo magoadas formas de sorrir, feridas que se recusam a sangrar...
Num pedaço de ferro enferrujado cravo insanidades despropositadas, acorrento tormentos dúbios, ambiguidades da definição, contradições expelidas por convulsões de temperamento...
Num pedaço de tempo revoltado, misturo ódios mesquinhos a instantes quase arruinados pela gravidade, pela magnitude da palavra, da atitude, do gesto...
Num pedaço de espelho partido encaro fragmentos de uma esperança enterrada sob a promessa fatídica do acreditar...
Num pedaço de terra ressequida, num pedaço de mar opulento, num pedaço de vontade abandonada reencontro pedaços de mim, reflexos desfigurados pela metamorfose.

Wednesday, August 26, 2009

Relatos de mim...


Escuto...
Pensamentos em surdina que atabalhoadamente se entregam a movimentos de graciosidade incomparável...
Penso...
Em palavras proferidas por uma alma que canta instantes à memória, que afagam dulcíssimas loucuras de sintonia, amargor que me turva os olhos arrancando corajosamente lágrimas, sorrisos, quais punhais de fuga proibida...
Relembro...
Frases não proferidas pela inconveniência do conflito, lugares estanques pelo peso do seu significado, santuários preservados pela sensibilidade de um passado inesquecido...
Sinto...
Uma batalha de contracensos, num derrame imparável de dor, aguda forma de estar, alegria, charmosa instância do acontecer, perda, de uma vontade escondida das suas motivações...
Naufrago...
Como que sinto um esvair da força que me impulsiona neste caminho que à muito me acreditei...
Perco-me...
Revejo fragmentos de um reflexo outrora forjado, adormecido, inconsciente, mutável, inconstante...
Perco-me ou encontro-me?
Se ao menos essas sombras abandonassem os meus sonhos...
Quem serão?
Inconformadamente não consigo deixar de as reconhecer...

Monday, August 24, 2009

Quem Serão?


São garras traiçoeiras, são divinas encapuçadas que vagueiam como sombras invisíveis, presságios velados de perseguição, de fuga, de medo...
Quem serão? Damas da bruma, espectros sem rosto que não se deixam vislumbrar, fugazes devaneios sem corpo, sem conteúdo, sem nome...
Serão senhoras do breu, presenças descrentes de uma fé não conhecida, corações enegrecidos por uma peste inerte ao tempo, à devoção, à súplica...
Serão princesas de contos inacabados, sem um final feliz, sem um final sequer... Realeza apodrecida por sólidas convicções do não compreender, do permanecer inconsciente ao espaço que me abraça, me aconchega e me consome.
Quem serão? Órfãs esquecidas por um mundo imperfeito, filhas das horas, incessantemente negadas e renegadas por vozes roucas, gritos rasgados, sonhos estilhaçados...
Quem serão?
Nesta dúvida permaneco, entrego-me a um sono de pensamento.
Durmo...
Sonho...
E nesse inconsciente quase esquecido revejo esses olhares frios que me fixam e se me revelam... Sou obrigado a fitá-las, a reconhecê-las, a sentir o vermelho gelo que me corre nas veias, sem compreender se ainda vivo ou ja há muito me tornei um reflexo de mim...
Acordo...
De nada me lembro...

Friday, April 17, 2009

Escadaria


Não sei onde me encontro, não sei para onde vou... estranhamente prossigo, passo a passo, subo uma escadaria de negro forrada, de nébula adornada, em silêncio esculpida, de movimento sugada...
Subo... movo-me sem intenção, não sou eu, é apenas o meu corpo que caminha, que procura uma luz, um destino, um lugar. Neste passeio sem rumo a minha mente mergulha na imensidão do sonho, qual ego invisível, qual silhueta de um corpo esquecido para trás, nessa ingreme subida de procura, sem nada encontrar, de olhos fechados a uma tristeza que teima em oferecer-se como corrimão, guia de viagem, apoio ao cansaço que começa a apoderar-se do meu corpo...
Paro... descanso... percorro com o olhar este espaço que me abraça e nada encontro, estou perdido, não sei onde estou...
Grito.... ouço uma resposta? Ingenuidade esta que surge por não lembrar um eco que não me perdoa, que me relembra, mais uma vez, que não há nínguem...
Sento-me num degrau humedecido por lágrimas de tempo passado, pisado pelo peso das escolhas, gasto pela fugacidade das opções... Nele descanso, tento recuperar a consciência, sintonizar corpo e mente... Nesta viagem caminho sozinho, obrigatoriedade de uma condição demoradamente entrançada pelas minhas próprias mãos, artesão do destino, obra prima do infortúnio...
Levanto-me, olho em frente e prossigo...
Nessa escadaria chegarei a algum lugar, se tropeçar, de novo e voltar atrás mais uns degraus hei-de encontrar forças para de novo me erguer. Não vou desistir, recuso a derrota, renego a perda, desminto essa sensação da pouca sorte.
Continuo... espero conseguir convencer-me que essas palavras estavam erradas...