Monday, August 1, 2011

Retorno




Saberá ainda esta mente deixar escorrer pensamentos envoltos em palavras humanas, cruas, arrancadas àquela que em tempos foi a minha essência?


Escolham o lugar, acomodem-se na sala da minha existência, convido-vos a sentar e a partilhar deste retorno...



Ressoam murmúrios nas masmorras onde me encontro, permiti-me mais uma vez descer a férrea escadaria da minha alma, chegar ao âmago do meu ser, do meu eu... Sopram vozes abafadas da culpa, sinto o lento e frio respirar desses espectros sem corpo, fantasmagóricos, invisíveis presenças que se tomam por remorsos, reis sem trono que juraram jamais abandonar este sepulcro, sinto-os vigilantes.
Olho em volta... sinto o negro abraço da revolta, iluminam-se as relíquias, quadros suspensos no vazio, imortalizados em pinturas sem cor, sem traço, sem conteúdo mas eu vejo, nitidamente, todos esses momentos de dor, de perda em que a incapacidade de alterar os desígnios foram setas banhadas em ferrugem lançadas sem erro ao coração, à mente, à alma onde me encontro. Percebo que alguns desses quadros são meras molduras sem forma, inacabados, expectantes pelo seu momento de exibir a arte da perda, aguardam... Abandono a sala da morte e deambulo, não controlo este caminhar, não me é possível, permiti-me a esta viagem.
O meu corpo move-se, a minha mente são estilhaços, ensanguentados, sinto o quente e espesso perfume que deles escorre. O meu corpo jaz agora nas lajes que anteriormente me suportavam, só a minha mente percorre o mistério desta nocturna viagem. Sinto-me no limiar da consciência, preso à dúbia realidade por frágeis fios de uma seda gasta, ecoam estridentes gritos, insistentes, persistentes acusadores de um não conseguir jamais sair das masmorras de mim... Gargalhadas de um prazer doentio julgam-se vitoriosas, festejam pelo supremo desfecho que por tanto têm ansiado. Mas não, doentias gárgulas do desterro, se não me venceram em tempos passados também ainda não será desta vez, enganam-se podres seres, parasitas do medo, ainda não será desta vez... Fecho os olhos, sangue, lágrimas, medo, desespero serão para sempre meus mas não é tempo de me entregar, ilusória tentação de eterna paz, ainda não. Tento mover este corpo petrificado, como seria tão mais fácil resistir a este esforço, deixar-me permanecer pétrea estátua, mas eu sei que consigo. Gritos de dor são arrancados quais suplícios infligidos por uma tortura a que me permiti retornar, a minha mão direita move-se lentamente, tão lentamente. Encharcado pelas lágrimas incessantes, pelo sangue quente, pela asquerosa sujidade deste lugar consigo repousar a minha mão no meu ombro esquerdo, consigo alcançar o talismã que permite o adormecer desta minha faceta, cortante espada deste mundo... Sinto o turvar da visão, a náusea antecedente ao vómito, tudo à minha volta num imparável rodopiar... Horas, minutos, segundos na veloz vertigem do acabar... Abro os olhos, venci o pesadelo, a viagem ao obscuro submundo da minha consciência, ainda não foi desta vez.



Agradeço o vosso silêncio, podeis abandonar a sala. Até breve.

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